sábado, 8 de setembro de 2007

A Paixão Segundo G.H.




Em A Paixão Segundo G.H., Clarice Lispector mostra porque é considerada a maior expressão do intimismo literário brasileiro. Um livro que não tem começo nem fim, ele simplesmente continua. Filosofias e questionamentos existenciais preenchem por completo as mais de duzentas páginas, tornando, assim, a leitura extremamente intensa e perturbadora. Impossível ler até a última linha sem nos perguntarmos para o que servimos afinal? Até que ponto a nossa vida atingiu o estado de mediocridade?

G.H., narradora-personagem, conduz a narrativa de seu cotidiano até o momento de sua quebra. Um dia como outro normal, acorda, toma café, fuma seu cigarro. Até que decide algo diferente: arrumar o quarto da empregada que havia demitido há pouco tempo. Lá chegando, espanta-se. Encontra um ambiente diferente do que imaginava; estava arrumado, limpo, conservado. Isso a perturba de tal forma que se inicia um processo de “análise” de sua existência, uma busca por sentido. Todo momento de achar é um perder-se a si próprio.

Até que encontra uma barata. Uma simples barata saindo do armário. Aquele bicho que sempre a repugnou, desde criança, e nunca teve coragem nem de chegar perto; esse bicho irá trazer um novo significado a sua vida. Ele proporcionará o momento mais famoso das obras de Lispector: a epifania. Esmagar a barata, lamber e mastigar o líquido branco que escapa do seu interior e, por fim, vomitar tudo aquilo, personifica o momento de encontro com um novo “eu”, com uma G.H. não mais comum, previsível, rotineira, mas sim, com alguém contrário ao normal, ao pré-estabelecido. O mundo independia de mim – esta era a confiança a que eu tinha chegado: o mundo independia de mim, e não estou entendendo o que estou dizendo, nunca! Nunca mais compreenderei o que eu disser. Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? Como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro.

Considerada por alguns como a obra prima de Clarice – e não é difícil enxergar o porquê -, A Paixão Segundo G.H. é mais do que um mero livro, é um achar-se em si próprio. Assim, proponho também uma mudança: suspenda suas sessões no psicólogo; vá ler Clarice Lispector.