segunda-feira, 21 de julho de 2008

Ocidente x Islã - Uma história do conflito milenar entre dois mundos


São pequenos textos, cada um com sua temática, que podem ser lidos individualmente, e que seqüenciados formam a história do conflito milenar entre dois mundos. Desde os primórdios da mitologia, passando pela Guerra de Tróia, até os atentados de 11 de setembro. As cruzadas, a invasão moura na Península Ibérica, as conquistas de Napoleão. A primeira guerra mundial, a promessa francesa e inglesa aos judeus e palestinos, a disputa pela Terra Santa. São passos da história que procuram explicar os séculos de conflito entre Ocidente e Oriente.


Voltaire Schilling leciona história há mais de trinta anos em diversas instituições de ensino, dentre elas a própria Federal do Rio Grande do Sul. Talvez por isso tenha conseguido criar um livro tão didático e interessante, exigindo para isso, claro, o mínimo de conhecimento prévio do leitor acerca do assunto. O senso comum passa despercebido. As páginas não se perdem explicando o que já deveria ser sabido. O autor trata de explicar o que é subentendido nas entrelinhas, mas nem sempre é divulgado oficialmente.


Compreender por completo toda uma cultura, todo um modo de vida, todo um ódio é difícil. A história e os acontecimentos tentam nos explicar o que nem sempre é possível entender. E Schilling acaba se dando muito bem nessa tentativa, ainda que o livro seja curto (198 páginas) e exista muito mais fora do nosso campo de sabedoria.

terça-feira, 8 de abril de 2008

O Homem Secreto


Em oito de agosto de 1974, o presidente americano Richard Nixon, pressionado por seu envolvimento no Caso Watergate, renunciava ao cargo de mandatário da maior potência capitalista do mundo. O Watergate foi um episódio de escuta ilegal na sede do partido democrata por elementos ligados ao governo. Todo esse processo investigativo foi decorrente do trabalho de dois repórteres do jornal Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, que juntamente com os relatos de um informante, foram além na invasão do Edifício Watergate e denunciaram um esquema paradigmático de corrupção.


Durante a campanha presidencial de 1972, Nixon buscava sua reeleição e tinha como opositor a sua candidatura o senador democrata George McGovern. Foi durante essa campanha que se verificou o incidente na sede do Comitê Nacional Democrático. Durante a investigação oficial foram apreendidas fitas gravadas que demonstram o envolvimento do presidente com o Caso, através do seu conhecimento das operações ilegais contra a oposição.


É nesse contexto que o livro O Homem Secreto se forma. Bob Woodward, um dos jornalistas envolvidos na denúncia do caso, é quem o escreve, relatando os momentos em que se encontrava com seu informante, o Garganta Profunda. Além dos encontros, o autor também aborda os acontecimentos dentro da redação do jornal, a forma como procedia com sua investigação e seus sentimentos e inquietações a respeito do assunto. O livro é uma intensa viagem que durou 33 anos, desde o primeiro encontro de Woodward com Mark Felt – o famoso Garganta Profunda – na Casa Branca até o momento em que Felt toma a iniciativa de anunciar ao mundo de que ele é o homem responsável pelas informações que o Washington Post recebia.


Tudo começa em um encontro inesperado entre Woodward e Felt, nos corredores da Casa Branca. Os dois aguardavam sentados, quando Bob decide iniciar uma conversa. Felt mostra-se incomodado, mas dialoga e responde às suas perguntas. Ao final, trocam telefones – o que permite contato posterior e, de certa forma, o início das investigações para a denúncia do Caso Watergate. Nos encontros e diálogos que se seguiram foram impostas regras de cuidado, para não serem nunca percebidos, ou seguidos, ou investigados. A informação trocada entre os dois deveria permanecer entre os dois, mesmo porque Felt não queria ter sua identidade revelada. Dentre as combinações estavam o local de encontro e o horário, de madrugada numa garagem de subsolo; para emergências, um vaso colocado na sacada do apartamento; além de que, ao telefone, nenhuma identificação poderia haver, nem ligações muito corriqueiras. Para o trabalho jornalístico, nenhuma fonte deveria ser citada, nem características que levasse a alguma forma de identificação.

O Homem Secreto (cont.)


(...) Assim, segue-se todo o processo investigativo do jornalista. Através de tudo o que ele mesmo sabia, ou procurava descobrir, juntamente com os fatos relatados ou simplesmente confirmados por sua fonte, Bob Woodward escreve todo o necessário para que o Watergate seja revelado e tenha suas conseqüências correspondentes. A mídia passou a divulgar matérias e enquetes sobre as múltiplas possibilidades de identidade do Garganta Profunda. Ao longo dos anos, as possibilidades foram diminuindo, visto que muitos foram morrendo. Em diversas ocasiões apontaram o nome de Mark Felt como o responsável pelo personagem, o que ele sempre negou friamente. Aos 91 anos de idade, finalmente decide revelar a verdade, já meio esclerosado e com serissimos problemas de memória. Inicialmente, a família fica sabendo do fato – já que nem ela sabia – e apóia a confissão. Assim, um documento assinado por membros da família, advogado e médicos (atestando ser verdadeira sua falta de memória) permite que a revelação seja divulgada pelos meios de comunicação.


Bob Woodward é, inegavelmente, um ótimo jornalista. Mas em O Homem Secreto não primou pela profundidade da análise e deixou dúvidas sobre até que ponto suas informações correspondiam inteiramente aos fatos. Além disso, faltou informações para o leitor da forma como ele tinha acesso a tantos detalhes da Casa Branca e tão rapidamente. Visto que, num âmbito geral, o autor escreve apenas sobre sua relação com Mark Felt, descrevendo toda a relação que mantinha com ele e como desenvolvia suas notícias e reportagens através da ajuda do informante, talvez a principal razão da importância desse livro seja demonstrar a prática bem realizada da entrevista off the record, que seria sem a atribuição da fonte. Essa prática é fundamental para a instituição jornalística, ainda mais num período histórico em que ela está sob risco, especialmente nos Estados Unidos. A história que Bob Woodward nos conta em O Homem Secreto demonstra exatamente como lidar com esse tipo de entrevista, ou de informações. A não-atribuição da fonte por pedido da própria fonte faz parte de um código, digamos, moral dos jornalistas e deve ser estabelecida previamente – como foi feito entre Felt e Woodward já na primeira conversa telefônica.


Assim, O Homem Secreto se torna um estudo a respeito de confiança, fraude, pressões, alianças, dúvidas, uma vida inteira de segredos, mas essencialmente um estudo a respeito do trabalho jornalístico. Da mesma forma como o autor busca relatar a história do Garganta Profunda e humanizar esse personagem, ele também descreve todo o “por trás” de um trabalho de repórter e como a total dedicação a isso pode transformar a vida do jornalista..

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Dublinenses



Dublinenses é o primeiro livro de ficção escrito por James Joyce e publicado em 1914. Consiste em 15 contos que retratam a vida em Dublin e o cotidiano de seus habitantes. A temática gira em torno, principalmente, de experiências infantis, relacionamentos conjugais e a vida pública, além, claro, das famosas epifanias (súbitas descobertas), encontradas também na obra de Clarice Lispector.


Os Mortos é o conto mais conhecido, e também mais longo, do livro. São 47 páginas relatando basicamente um amor imorredouro conservado ao longo de anos no coração de uma mulher. Após a festa de Ano Novo, Gretta e Gabriel dirigem-se ao hotel onde estavam hospedados. Gretta se posta pensativa a janela e, suspeitando que a causa seja um possível amor, Gabriel pergunta se o é realmente. Ela afirma que sim, mas que está morto. O conto se encerra com Gabriel ouvindo a neve cair brandamente – como se lhes descesse a hora final – sobre todos os vivos e todos os mortos. Mais do que somente a temática do amor, Os Mortos reflete a idéia do isolamento, da inabilidade que temos para realmente conhecer outros, mesmo os mais próximos dos seres humanos. Dentre outros motivos, talvez possa destacar como esse sendo um dos maiores motivos para o sucesso do conto, além da sutileza incrível com que James Joyce consegue descrever cenários e sentimentos.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Bela e a Fera




Embora seja um livro póstumo de contos, A Bela e a Fera reúne os primeiros contos escritos pela autora, aos 14 anos, e dois dos últimos que escrevera, antes de sua morte, contrastando, assim, a evolução e maturidade em sua escrita. Já no início de sua carreira literária, percebe-se um esboço das características que acompanharão todas as obras de Clarice: o universo feminino, suas aflições, a mediocridade das relações humanas, uma reflexão constante em entender o sentido de sua existência. Como entender-me? Por que de início aquela cega interação? E depois, a quase alegria da libertação? De que matéria sou feita onde se entrelaçam mas não se fundem os elementos e a base de mil outras vidas? Sigo todos os caminhos e nenhum deles é ainda o meu. Fui moldada em tantas estátuas e não me imobilizei... (“Obsessão”, p. 59)


Analisando os seis contos da primeira parte, e os dois contos da segunda, nota-se nitidamente a evolução de sua escrita. Ainda que a temática mantenha-se a mesma ao longo de sua carreira literária, o modo como escreve, e, inclusive, seu vocabulário e formulação de frases, mudam – para melhor. Cerca de 35 anos separam as duas fases do livro, mas a essência de Lispector encontra-se fiel desde a primeira linha.

sábado, 19 de janeiro de 2008

A Revolução dos Bichos



Cansados dos maus tratos causados por seu dono, o Sr. Jones, os bichos da Granja do Solar resolvem fazer uma revolução, em que qualquer hábito humano seria proibido e todos os animais seriam iguais e livres. Inicialmente, tudo transcorre conforme planejado. Entretanto, ao longo dos anos, o poder vai corrompendo os ideais daquela revolução. Os que assumiram cargos “superiores” passam a desrespeitar normas prescritas, adaptá-las ao seu bem estar e abusar do trabalho e fidelidade dos demais bichos viventes na fazenda.


Através de uma fábula simplista, George Orwell cria uma excelente sátira à Revolução Russa de 1917. O dono da granja, Sr. Jones, é facilmente identificado como uma alegoria ao czar Nicolau II, devido ao seu também apreço ao álcool e descaso com a população. Assim como o porco Napoleão – que assume o poder da granja – seria Stálin, e o banido porco Bola-de-Neve, inicialmente a figura mais importante da revolução, seria Trótski. Todos os demais animais também possuem suas identificações alegóricas, ao exemplo dos cavalos Sansão e Quitéria – representando o proletariado, trabalhando incansavelmente e sendo sempre fieis aos ideais – e do porco Garganta – representando o sistema de propaganda do governo.


Apesar de ter sido escrito intencionalmente como uma crítica ao comunismo, A Revolução dos Bichos pode ser hoje facilmente aplicada a qualquer tipo de governo, onde o poder absoluto corrompe aqueles que o exercem, e onde a ilusão de um Estado igualitário desaparece perante essa corrupção.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Agosto



Misturando ficção e realidade, Rubem Fonseca consegue escrever um excelente relato do panorama político brasileiro em agosto de 1954, desde o planejamento do atentado a Carlos Larcerda até a morte de Getúlio no dia 24, confundindo inteligentemente aqueles desprovidos de uma boa noção acerca dos acontecimentos dessa época. Paralelamente, uma novela fictícia se funde à história, onde o comissário de polícia Alberto Mattos investiga a morte de um empresário milionário. Fatos vão-se interligando, entre o real e o inventado. E como a maior parte dos romances de Rubem, Agosto também é repleto de personagens, todos com casos complicados e mal-resolvidos, problemas pendentes, e que, de alguma forma, se interligam uns aos outros.

O comissário Mattos, assim como a quase totalidade de seus protagonistas, é um indivíduo obcecado, real, cheio de defeitos, de personalidade única. Além de não quebrar a linha de estilo do autor, é funcionário da polícia – tendência já observada pelo fato de Rubem ter iniciado sua carreira na polícia e ser formado em Direito.


Muitos consideram Agosto como o melhor livro de Rubem Fonseca (embora tenha de discordar, visto que elejo Feliz Ano Novo o melhor); outros, como o melhor romance apenas. Independente, o livro encabeça o topo dos melhores livros do autor, e depois de lê-lo, não é difícil perceber o porquê.