terça-feira, 8 de abril de 2008

O Homem Secreto


Em oito de agosto de 1974, o presidente americano Richard Nixon, pressionado por seu envolvimento no Caso Watergate, renunciava ao cargo de mandatário da maior potência capitalista do mundo. O Watergate foi um episódio de escuta ilegal na sede do partido democrata por elementos ligados ao governo. Todo esse processo investigativo foi decorrente do trabalho de dois repórteres do jornal Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, que juntamente com os relatos de um informante, foram além na invasão do Edifício Watergate e denunciaram um esquema paradigmático de corrupção.


Durante a campanha presidencial de 1972, Nixon buscava sua reeleição e tinha como opositor a sua candidatura o senador democrata George McGovern. Foi durante essa campanha que se verificou o incidente na sede do Comitê Nacional Democrático. Durante a investigação oficial foram apreendidas fitas gravadas que demonstram o envolvimento do presidente com o Caso, através do seu conhecimento das operações ilegais contra a oposição.


É nesse contexto que o livro O Homem Secreto se forma. Bob Woodward, um dos jornalistas envolvidos na denúncia do caso, é quem o escreve, relatando os momentos em que se encontrava com seu informante, o Garganta Profunda. Além dos encontros, o autor também aborda os acontecimentos dentro da redação do jornal, a forma como procedia com sua investigação e seus sentimentos e inquietações a respeito do assunto. O livro é uma intensa viagem que durou 33 anos, desde o primeiro encontro de Woodward com Mark Felt – o famoso Garganta Profunda – na Casa Branca até o momento em que Felt toma a iniciativa de anunciar ao mundo de que ele é o homem responsável pelas informações que o Washington Post recebia.


Tudo começa em um encontro inesperado entre Woodward e Felt, nos corredores da Casa Branca. Os dois aguardavam sentados, quando Bob decide iniciar uma conversa. Felt mostra-se incomodado, mas dialoga e responde às suas perguntas. Ao final, trocam telefones – o que permite contato posterior e, de certa forma, o início das investigações para a denúncia do Caso Watergate. Nos encontros e diálogos que se seguiram foram impostas regras de cuidado, para não serem nunca percebidos, ou seguidos, ou investigados. A informação trocada entre os dois deveria permanecer entre os dois, mesmo porque Felt não queria ter sua identidade revelada. Dentre as combinações estavam o local de encontro e o horário, de madrugada numa garagem de subsolo; para emergências, um vaso colocado na sacada do apartamento; além de que, ao telefone, nenhuma identificação poderia haver, nem ligações muito corriqueiras. Para o trabalho jornalístico, nenhuma fonte deveria ser citada, nem características que levasse a alguma forma de identificação.

O Homem Secreto (cont.)


(...) Assim, segue-se todo o processo investigativo do jornalista. Através de tudo o que ele mesmo sabia, ou procurava descobrir, juntamente com os fatos relatados ou simplesmente confirmados por sua fonte, Bob Woodward escreve todo o necessário para que o Watergate seja revelado e tenha suas conseqüências correspondentes. A mídia passou a divulgar matérias e enquetes sobre as múltiplas possibilidades de identidade do Garganta Profunda. Ao longo dos anos, as possibilidades foram diminuindo, visto que muitos foram morrendo. Em diversas ocasiões apontaram o nome de Mark Felt como o responsável pelo personagem, o que ele sempre negou friamente. Aos 91 anos de idade, finalmente decide revelar a verdade, já meio esclerosado e com serissimos problemas de memória. Inicialmente, a família fica sabendo do fato – já que nem ela sabia – e apóia a confissão. Assim, um documento assinado por membros da família, advogado e médicos (atestando ser verdadeira sua falta de memória) permite que a revelação seja divulgada pelos meios de comunicação.


Bob Woodward é, inegavelmente, um ótimo jornalista. Mas em O Homem Secreto não primou pela profundidade da análise e deixou dúvidas sobre até que ponto suas informações correspondiam inteiramente aos fatos. Além disso, faltou informações para o leitor da forma como ele tinha acesso a tantos detalhes da Casa Branca e tão rapidamente. Visto que, num âmbito geral, o autor escreve apenas sobre sua relação com Mark Felt, descrevendo toda a relação que mantinha com ele e como desenvolvia suas notícias e reportagens através da ajuda do informante, talvez a principal razão da importância desse livro seja demonstrar a prática bem realizada da entrevista off the record, que seria sem a atribuição da fonte. Essa prática é fundamental para a instituição jornalística, ainda mais num período histórico em que ela está sob risco, especialmente nos Estados Unidos. A história que Bob Woodward nos conta em O Homem Secreto demonstra exatamente como lidar com esse tipo de entrevista, ou de informações. A não-atribuição da fonte por pedido da própria fonte faz parte de um código, digamos, moral dos jornalistas e deve ser estabelecida previamente – como foi feito entre Felt e Woodward já na primeira conversa telefônica.


Assim, O Homem Secreto se torna um estudo a respeito de confiança, fraude, pressões, alianças, dúvidas, uma vida inteira de segredos, mas essencialmente um estudo a respeito do trabalho jornalístico. Da mesma forma como o autor busca relatar a história do Garganta Profunda e humanizar esse personagem, ele também descreve todo o “por trás” de um trabalho de repórter e como a total dedicação a isso pode transformar a vida do jornalista..