quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Morcegos Negros




Após cobrir a morte de Paulo César Farias em Maceió em 1996, o repórter da Folha de São Paulo, Lucas Figueiredo, dedicou-se a investigar os mistérios dessa morte e de todos os outros esquemas, até hoje nunca resolvidos, envolvendo PC e Collor. Assim surgiu Morcegos Negros, um livro de jornalismo investigativo, que mais parece uma novela policial. Clóvis Rossi, jornalista responsável pelo prefácio do livro, o define como uma história política e uma história policial. Mas não é novela, não é ficção. É a dura e triste realidade a que foi reduzido o Brasil no período Fernando Collor de Mello: a política transformada em noticiário policial.

Em capítulos intercalados, indo e voltando no tempo, Figueiredo retrata a história de Farias e Collor e suas relações com a máfia, através de documentos e informações que a impressa brasileira não divulgou. Traça a trajetória de Collor, desde o início de sua vida política, até seu auge chegando à presidência da República, e sua relação com o tesoureiro da campanha, Paulo César Farias. Assim, transpassa os anos e as diversas contas bancárias abertas no exterior, os desvios e transferências de dinheiro e conexões do Esquema com a máfia e o crime organizado internacional, além da morte de PC e sua namorada, Suzana Marcolino – onde demonstra como a polícia e a mídia omitiram a verdade a respeito dela, ignorando laudos da perícia e considerando outros totalmente improváveis.

Um livro envolvente, apaixonante, e extremamente curioso. A falta de memória do povo brasileiro é sutilmente criticada, através dos capítulos que versam a respeito dos anos de exílio de Collor e seu preparo para o retorno à vida política – sendo, aliás, eleito agora, nas eleições de 2007, senador de Alagoas, mas isso ainda não havia acontecido até o lançamento do livro. Morcegos Negros vale muito a pena ser lido, principalmente para não nos tornarmos parte integrante dessa população com amnésia.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Bagagem do Viajante




Quem escreve, penso eu que o faz como no interior de um cubo imenso, onde nada mais existe que uma folha de papel e a palpitação de duas mãos, rápidas, hesitantes, asas violentas que de súbito descaem para o lado, cortadas do corpo. Quem escreve tem à sua volta um deserto que parece infinito, reino cuidadosamente despovoado para que só fique a imagem surreal de um campo aberto, de uma mesa de escriturário à sombra da árvore inventada, e um perfil esquinado que tudo faz para assemelhar-se ao homem. Quem escreve. Penso eu que procura ocultar um defeito, um vício, uma tara aos seus próprios olhos indecente. Quem escreve, está traindo alguém. (p. 117)

José Saramago