quarta-feira, 14 de novembro de 2007
A Bagagem do Viajante
Quem escreve, penso eu que o faz como no interior de um cubo imenso, onde nada mais existe que uma folha de papel e a palpitação de duas mãos, rápidas, hesitantes, asas violentas que de súbito descaem para o lado, cortadas do corpo. Quem escreve tem à sua volta um deserto que parece infinito, reino cuidadosamente despovoado para que só fique a imagem surreal de um campo aberto, de uma mesa de escriturário à sombra da árvore inventada, e um perfil esquinado que tudo faz para assemelhar-se ao homem. Quem escreve. Penso eu que procura ocultar um defeito, um vício, uma tara aos seus próprios olhos indecente. Quem escreve, está traindo alguém. (p. 117)
José Saramago
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